Retrato partido

Desde muito cuido para que as fotos sejam registros do acontecimento - sejam elas paisagens – rurais e urbanas; sejam pessoas desconhecidas, amigos e parentes em festas, e até aquelas fotos que aparentemente deram errado – uma lua lá longe num fundo totalmente escuro, ou uma sombra do objeto a ser fotografado.

Sempre defendi que jamais se recortem as fotografias. Mesmo as atuais digitalizadas. Nada de reeditar uma foto, de mudar a luz, retocar as cores, aprofundar o campo.

Por isso, quando me vi diante da nossa foto em que nossos sorrisos estampam uma imensa alegria, compreendi o que significavam as tantas fotos que amigas – ainda na adolescência, para espanto meu! - tesouravam o rosto e o corpo do amado, depois de um final de namoro; ou a tia mais velha retirava com fúria a presença de um membro da família que a partir daquele dia passava a ser persona non grata! por qualquer motivo de finanças desviadas.

Para meu espanto, agora na maturidade! eu tinha diante de mim a nossa foto feliz e com o mouse eu roia, como um rato, o queijo. Ou seja, consumida pela tristeza, apagava devagar a presença de você na foto–testemunho de um dia especial no qual compreendi, ao mesmo tempo, que a impossibilidade de tê-lo assim tão meu tornara-se maior que a felicidade em vê-lo tão poucas vezes assim tão próximo. Foi aí que ao ver o retrato partido em dois – você de um lado, separado de mim, sorrindo para mim e eu na mesma pose mas sem tocá-lo, sem sentir seu suor, sem provar dos seus beijos, distante de seu calor - foi nessa hora mesma que decidi separar-me de fato e não da foto.

Ainda bem que o mundo digitalizado me permitiu juntar nós dois na foto, para deixar registrado o acontecimento do dia feliz, guardando a partir de agora em um arquivo qualquer dos meus documentos, como que escondendo um segredo jamais revelado. Porém, mesmo ganhando a minha liberdade para além da fotografia, ali está o nosso sorriso de felicidade momentânea que durante anos permitiu sonhos e trouxe alegria para o meu coração partido – uma síndrome muito comum que acomete pessoas que acreditam no amor.

1 comentários:

Unknown disse...

Bebete,
Quando é que voce vai reunir seus escritos num livro!! E tão bom sentar na varanda da minha casa nas tardes de domingo para ler. Agora estou lendo o Leite derramado!
vamos lá quero sentar na rede e ler teus lindos escritos!!!!